quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A PRIMEIRA DEFESA

A PRIMEIRA DEFESA

Roteiro de Thiago Maerki

EXT. UMA PRAÇA DA CIDADE – NOITE
Lucas está sentado no banco de uma praça, conversando com
um amigo. A rua está deserta e, de repente, um carro
estaciona do outro lado. Ricardo desce do veículo com uma
arma em punho, olhando fixamente para Lucas, e caminha em
sua direção. Lucas tenta falar algo, mas não consegue, pois
é tomado de imenso pavor. O amigo que estava conversando
com ele corre em disparada e Ricardo dispara um tiro conta
Lucas, cujo corpo cai do banco e fica desfalecido no chão
da praça. Ricardo entra no carro que arranca cantando pneu
e desaparece ao dobrar a esquina.
FADE OUT
INT. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA - NOITE
FADE IN
André e Bruna, dois advogados, estão sentados à mesa. André
de um lado e Bruna do outro. André é um advogado mais velho
e com mais experiência. Bruna, por sua vez, é uma recém
formada que irá realizar sua primeira defesa no dia
seguinte.
BRUNA
Pois é André. Amanhã participarei de minha
primeira audiência. Estou ansiosa, mas com medo.
ANDRÉ
Não precisa ficar com medo Bruna, todos nós
advogados temos a nossa primeira vez. Você se
acostuma com o tempo.
BRUNA
Mas o problema é que tenho que defender uma
pessoa que matou alguém. É um caso complicado e
muito delicado.
Bruna arruma o cabelo.
André coloca a mão no queixo, como gesto de quem está
pensativo.
ANDRÉ
Você tem razão, e é quase impossível provar a
inocência de Ricardo. Mas, me diga uma coisa que
não entendi até agora. Por que o Ricardo matou
Lucas? Eles não eram amigos há tanto tempo?
BRUNA
Sim, desde a época do colégio. Vou lhe contar a
história. Ricardo, por ser um pouco gordo, sempre
foi chamado de Baleia, inclusive por Lucas. Ele
cresceu ouvindo isso e não fazia questão. Depois
Ricardo se casou, teve filhos e os dois amigos
continuaram visitando um a casa do outro e Lucas
continuou chamando Ricardo de Baleia, como fazia
desde que eram garotos.
Bruna é interrompida por André
ANDRÉ
E quem nunca teve um apelido na infância!?
BRUNA
Pois é. Mas o apelido, de repente, começou a
desagradar Ricardo. Era Baleia pra cá... Baleia
pra lá... até que um dia, Ricardo pediu para que
Lucas nunca mais o chamasse pelo apelido, pois
agora ele tinha uma esposa e filhos e ‘não pegava
bem’ ser a todo momento chamado de Baleia na
frente de sua família.
ANDRÉ
Então foi assim que começou a desavença entre os
amigos?
BRUNA
Foi. Apesar do pedido de Ricardo, Lucas continuou
chamando o amigo pelo apelido. Até que um dia,
após ser chamado de Baleia na frente de todos os
colegas e familiares numa festa, decidiu matar
Lucas no dia seguinte. E foi o que aconteceu.
ANDRÉ
Que história trágica, morto por ter chamado o
amigo pelo apelido.
BRUNA
E agora Ricardo é meu cliente e deverei defendêlo
amanhã. O problema é que sou inexperiente e
esse será o primeiro julgamento do qual participo
e não sei como farei a defesa.
ANDRÉ
Calma, você já estudou bem o caso e com certeza
sairá bem sucedida. Isso será bom para o seu
aprendizado.
Bruna fica em pé.
BRUNA
Bom André, agora preciso ir, já está tarde. Outro
dia nos falamos.
ANDRÉ
Tudo bem, depois você me conta os detalhes.
André se levanta também e estende a mão para Bruna, como
gesto de despedida. Bruna a segura e, depois de soltá-la,
dirigi-se à porta, gira a maçaneta e é interrompida por
André.
ANDRÉ
Boa sorte minha amiga!
BRUNA
Obrigada.
Bruna abre a porta, sai e a fecha em seguida. A câmera foca
a porta fechada do interior do escritório.
FADE OUT
INT. CASA DE BRUNA – NOITE
FADE IN
A mão de Bruna move a maçaneta para fechar a porta de sua
casa. Depois, abre os braços, levantando-os para o alto,
espreguiçando-se. Em seguida boceja de sono e diz alto
consigo mesma:
BRUNA
Enfim em casa, agora posso descansar.
FADE OUT
INT. QUARTO DE BRUNA – NOITE
FADE IN
Bruna está deitada na cama, dormindo. De repente, ela
começa a sonhar que está caminhando sozinha numa rua, a
pensar no julgamento do qual participará. Em seu pensamento
ela reflete de que forma poderá defender Ricardo e sobre
quais argumentos ela poderia utilizar.
FADE OUT
EXT. CALÇADA DE UMA RUA, DURANTE O SONHO DE BRUNA – DIA
FADE IN
Enquanto Bruna caminha, um mendigo aparece repentinamente
atrás dela e toca-lhe o ombro. Ele possui um ar sereno e
uma voz que denota calma e sabedoria. Ela fica assustada.
BRUNA
O que você quer? Eu não tenho dinheiro!
MENDIGO
Parece que você estava reflexiva!? Posso lhe
ajudar em algo?
Bruna coloca as mãos na cintura, em gesto de indignação.
BRUNA
Você não pode me ajudar em nada!
MENDIGO
Posso lhe ajudar?
BRUNA
Não.
MENDIGO
Posso lhe ajudar?
BRUNA
Já disse que não!
MENDIGO
Posso lhe ajudar?
Bruna fica nervosa, se altera e grita para o mendigo.
BRUNA
Cala a boca, você está me deixando doida!
Bruna olha para o lado e, quando volta-se para o mendigo,
ele havia desaparecido misteriosamente.
FADE OUT
INT. QUARTO DE BRUNA – NOITE
FADE IN
Automaticamente, quando o mendigo desaparece, no sonho,
Bruna acorda e se senta repentinamente na cama. Ela está
ofegante, como quem despertada de um pesadelo terrível. Ela
olha o despertador que está em cima do criado-mudo, ao lado
da cama. O relógio marca 3h15 da manhã. Bruna deita-se
novamente e recomeça a dormir.
FADE OUT
INT. QUARTO DE BRUNA – DIA
FADE IN
O despertador toca, marcando 7h30. Bruna senta-se na cama,
boceja e se espreguiça. Pega uma agenda, que estava ao lado
do despertador e a abre numa página marcada por uma fita.
Lê-se no canto superior da página: “Quarta-feira, 25 de
agosto de 2009”. Em baixo, grafado à caneta, lê-se: “Minha
primeira defesa”. Bruna levanta-se da cama, dirige-se à
janela e a abre. Lá fora o dia está lindo.
BRUNA
Que Deus me ajude.
Bruna fecha a janela.
FADE OUT
INT. SALA DE AUDIÊNCIA DO FÓRUM - DIA
FADE IN
O juiz encontra-se no centro da sala, sentado do lado
oposto da porta de entrada. Ao seu lado direito, alguns
familiares de Lucas e o advogado de sua família. Ao seu
lado esquerdo, Bruna e alguns familiares do acusado.
Ricardo também está sentado numa cadeira ao lado esquerdo,
porém, afastado de seus parentes. Há também algumas
testemunhas de ambos os lados.
JUIZ
Iniciemos então essa audiência, para julgar
Ricardo Silva Gonzáles, pelo assassinato de Lucas
Pereira da Costa. Primeiro, peço que o senhor
Ricardo se defenda, dizendo se é culpado ou
inocente pela morte de Lucas.
RICARDO
Senhor juiz, eu me considero culpado do sangue de
Lucas. Realmente, fui eu quem o matou. Mas, eu
não estava em um estado mental normal. Estava
muito nervoso e alterado, pois ele havia me
chamado de Baleia. Ouvi isso durante muitos anos,
mas chegou aquele dia, no qual não suportei mais
ser chamado assim e cometi o crime.
JUIZ
Passo a palavra agora à advogada do réu, para que
demonstre defesa em favor de seu cliente.
BRUNA
Meritíssimo, como o próprio Ricardo expressou,
ele não se encontrava em suas faculdades mentais
normais. Um louco não deve ir para a cadeia, pois
não tem culpa de seus atos. Ele, na verdade,
precisa de tratamento.
JUIZ
Passo agora a palavra ao advogado da família de
Lucas. O que o senhor argumenta diante da
explanação da senhora Bruna?
ADVOGADO DA FAMÍLIA DE LUCAS
Concordo com a senhora Bruna de que loucos não
devem ser condenados, mas esse não é o caso do
senhor Ricardo. Tanto que ele confessou o crime
no dia posterior, como também fez agora. Loucos
não confessam crimes, pois não sabem o que fazem.
Toca uma música branda. Alternadamente aparecem, em câmera
lenta, os dois advogados falando. Ora um, ora outro, cada
um defendendo seus clientes. Foca-se o rosto de Bruna, que
está pensativa. Ela se sente sem saber o que fazer após
tanta discussão e então se lembra do sonho da noite
passada, do mendigo... e de como ele repetidas vezes lhe
perguntava: “Posso lhe ajudar”? Bruna parece ter desvendado
um grande mistério, parece que não está mais naquela sala,
durante a audiência. Está sim num mundo particular, de seus
pensamentos, do seu interior. E algo lhe diz interiormente:
“Repita você também”! Bruna é interrompida repentinamente
pelo Juiz.
JUIZ
Bruna, a senhora tem algo mais a dizer?
Bruna se espanta, como se voltasse para o mundo real.
BRUNA
Meritíssimo Juiz, senhor advogado e povo aqui
presente. Meritíssimo Juiz, senhor advogado e
povo aqui presente. Meritíssimo Juiz, senhor
advogado e povo aqui presente. Meritíssimo Juiz,
senhor advogado e povo aqui presente. Meritíssimo
Juiz, senhor advogado e povo aqui presente...
Bruna repete isso várias vezes, até ser interrompida pelo
Juiz. Ele fala muito nervoso, alterado, gritando.
JUIZ
O que significa isso, senhora Bruna?! Por que
toda essa repetição?
BRUNA
Pois é Meritíssimo. Se o senhor ficou nervoso e
se alterou com algumas repetições que fiz,
imagine o senhor Ricardo, que foi chamado de
Baleia, repetidas vezes, por praticamente toda a
vida. O senhor mesmo se mostrou agora alterado e
foi um estado assim que levou o senhor Ricardo a
cometer o crime.
O juiz olha surpreso para Bruna, como que admirando sua
eloquência. Todos também ficam espantados e cochicham uns
aos outros. O juiz bate o martelo em sua mesa.
JUIZ
Silêncio no tribunal.
O silêncio se faz reinante novamente. O juiz assina um
documento que está sob sua mesa.
JUIZ
Dou por encerrado esse processo e a sentença é a
seguinte: Pelo crime que cometeu o senhor
Ricardo, ele deveria pegar, ao menos, trinta e
cinco anos de prisão. No entanto, declaro que ele
cumprirá apenas vinte anos e depois será posto em
liberdade.
FADE OUT
INT. QUARTO DE BRUNA – DIA
FADE IN
O despertador toca, marcando 7h30. Bruna senta-se na cama,
boceja e se espreguiça. Pega uma agenda, que estava ao lado
do despertador e a abre numa página marcada por uma fita.
Lê-se no canto superior da página: “Quarta-feira, 25 de
agosto de 2009”. Em baixo, grafado à caneta, lê-se: “Minha
primeira defesa”. Bruna levanta-se da cama, dirige-se à
janela e a abre. Lá fora o dia está lindo.
BRUNA
Que Deus me ajude.
Bruna fecha a janela.
FIM

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