sábado, 5 de dezembro de 2009

O Poeta

Disse o homem:
-Teus cabelos são como trigais ao vento,tanta beleza eu não aguento.
A mulher sorriu.Era a primeira vez que iam para a cama.Ela não sabia que ele fazia versos.Ainda mai numa situação daquelas.Ele continuou:
-Tua fronte,amada,tem o frescor da madrugada.Teus olhos límpidos e sensuais são como tépidos mananciais.Esses lábios lindos de que és dona,como pétalas de anemona...
Ela hesitou,depois disse:
-Acho que é anêmona.
-Como é?
-Não é anemona,é anêmona.
-Tem certeza?
-Não tem importância.Continua.
-Espera.O que é que rima com anêmona?
-Deixa prá lá.
Mas ele tinha sentado na cama e agora,em vez de acariciá-la,espremia a própria cabeça.
-Anêmona,anêmona...
-Sêmola.
-Hein?
-Sêmola rima com anêmona.
-Pois é... - hesitou ele.
Era um desafio.Eçe levantou-se da cama e deu algumas voltas,nu,pelo quarto.
-Sêmola,sêmola...
De repente estalou os dedos.Tinha encontrado.Voltou rapidamente para a cama e retomou a mulher nos braços.
-Onde nôs estávamos?
-Na boca.
-Tua boca tem gosto de sêmola,teus lábios são pétalas de anêmona.
-Você é um poeta mesmo.
-Todo o teu rosto tão raro do nosso amor é um labaro.
-Não é...
Ele parou e afastou-se.
-Não é o quê?
-Nada não.Continua,continua-disse ela,puxando-o de volta.


VERÍSSIMO,Luis Fernando.Sexo na cabeça.Rio de Janeiro:Objetiva,2002.

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